László Krasznahorkai, Nobel de Literatura de 2025
- EOL
- 9 de out.
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László Krasznahorkai acaba de ser anunciado como vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 2025. Aqui no Brasil conhecemos uma de suas obras mais impactantes, Sátántangó, e que fora traduzida e publicada em português pela Editora Companhia das Letras.
Publicado originalmente em 1985, Sátántangó é o romance de estreia de László Krasznahorkai, e já revela o estilo que o consagraria como um dos grandes nomes da literatura europeia pós-moderna: frases longas e sinuosas, atmosfera opressiva, e uma visão profundamente pessimista da condição humana. A obra se passa em uma aldeia rural decadente na Hungria comunista, onde o tempo parece ter parado, e a vida se arrasta em meio à lama, à miséria e ao tédio.

O romance gira em torno de um grupo de camponeses que vivem num conjunto de casas isoladas, após o colapso de uma cooperativa agrícola. A esperança, praticamente extinta, renasce quando circula a notícia de que Irimiás, um antigo morador dado como morto, estaria voltando à vila. Irimiás, carismático e manipulador, assume contornos quase messiânicos — ou demoníacos — ao convencer os habitantes de que há um futuro melhor à espera deles.
A narrativa, dividida em doze capítulos dispostos como os passos de uma dança (o “tangó” do título), alterna avanços e retrocessos temporais, mostrando os mesmos acontecimentos sob diferentes perspectivas, num movimento hipnótico de repetição e engano.
A marca mais distintiva de Sátántangó é sua prosa labiríntica, composta por parágrafos extensos e frases que se estendem por páginas inteiras, sem respiro. Krasznahorkai escreve como quem encena o colapso da própria linguagem: o fluxo verbal é contínuo, mas o mundo que descreve está em decomposição.Essa forma cria um efeito quase musical — o leitor é arrastado pelo ritmo, como se dançasse o tangó do título, num vai e vem de esperança e desespero. O tempo é circular, o espaço é sufocante e a narrativa parece nunca encontrar um ponto de fuga.
No cerne de Sátántangó está a desintegração moral e espiritual de uma comunidade à deriva. O retorno de Irimiás encena uma espécie de farsa messiânica: os camponeses, movidos pela fome e pela fé cega, depositam nele suas últimas esperanças — mas são conduzidos apenas à ilusão e à ruína.
Krasznahorkai mistura crítica política (ao fracasso do socialismo real) com alegoria metafísica: o livro é tanto sobre a decadência de uma sociedade quanto sobre a queda do ser humano diante da própria impotência.
A paisagem lamacenta e a chuva incessante funcionam como metáforas do imobilismo existencial, ecoando Kafka, Beckett e Dostoiévski.
Ler Sátántangó é uma experiência exigente, quase física. A sensação é de claustrofobia e hipnose, como se o leitor estivesse preso no mesmo ciclo dos personagens. Ainda assim, há uma estranha beleza na prosa de Krasznahorkai — uma poesia sombria que ilumina o caos.
O livro foi adaptado para o cinema em 1994 por Béla Tarr, em um filme de mais de sete horas de duração, considerado uma das maiores obras do cinema contemplativo, e que traduz perfeitamente o ritmo e o espírito do texto original.
Sátántangó é um romance sobre a esperança como ilusão e a miséria como condição permanente. Denso, labiríntico e fascinante, ele transforma a ruína num espetáculo literário e revela Krasznahorkai como um escritor que ousa encarar o abismo — e descrevê-lo com beleza.
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